O avanço da tecnologia e a
evolução das relações trabalhistas não foram suficientes para modificar
um cenário que se mantém em muitos ambientes de trabalho: desde os
tempos da Revolução Industrial, o ruído persiste como um agente físico
encontrado em inúmeros processos produtivos.
A constatação da fonoaudióloga
Ana Lúcia Rios, em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, em 2007, aponta
para um cenário em que trabalhadores de diversas áreas convivem, em seu
cotidiano, com a exposição ao ruído e, consequentemente, com os efeitos
negativos que ela acarreta à saúde.
De acordo com Rios, dentre
todos os fatores que acarretam risco para a saúde no ambiente de
trabalho, o ruído se apresenta como o mais constante e o mais
universalmente distribuído. Estudos realizados em várias partes do mundo
estimam que 25% da população trabalhadora está sujeita a problemas. No
Brasil, pesquisas e dados do Ministério da Saúde apontam que a exposição
ao ruído é a terceira maior causa de doenças ocupacionais.
Uma das doenças mais comuns é a
perda auditiva induzida por ruído, conhecida pela sigla PAIR, causada
pela exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora – ou seja,
mais de 85 dB (som produzido por um liquidificador) por mais de 8 horas
– , capaz de gerar alterações no ouvido interno. Outro dano são as
lesões nas vias auditivas (desde a membrana timpânica até regiões do
sistema nervoso central), decorrentes da exposição a níveis elevados de
pressão sonora elevados (PAINSPE), como o que ocorre numa explosão (Leia
mais sobre o assunto em artigo desta edição da ComCiência ).
As principais alterações nas
vias auditivas ocorrem no órgão de Corti, localizado no ouvido interno,
pois as células ciliadas externas são muito sensíveis a altas e
prolongadas pressões sonoras e à chamada “ exaustão metabólica ”
(diminuição enzimática e energética e redução do oxigênio e nutrientes),
causando a morte celular. Com isso, o espaço é preenchido por
cicatrizes, resultando num déficit permanente da capacidade auditiva. As
células ciliadas externas provocam vibrações de fibras nervosas e
enviam ao cérebro um impulso de determinada frequência.
Dano à saúde em geral
No entanto, os problemas
gerados pela exposição ao ruído no ambiente laboral ultrapassam os
prejuízos para a audição. “ O ruído elevado afeta a saúde em geral,
causando problemas gástricos, cardíacos, dor de cabeça, insônia,
estresse, irritabilidade, diminuição da concentração, zumbido, entre
outros ” , enumera a fonoaudióloga Cláudia Giglio de Oliveira Gonçalves,
professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da
Comunicação da Universidade Tuiuti, do Paraná.
Além disso, a PAIR,
especificamente, prejudica a capacidade de ouvir sons ambientais, o que
dificulta a compreensão da fala e pode gerar prejuízos às interações
sociais do portador da doença. O trabalhador portador de PAIR, enfatiza
Gonçalves, tem mais chance de se acidentar, pois terá dificuldade de
ouvir sinais sonoros de segurança e o funcionamento de máquinas e
equipamentos.
Siderurgia, metalurgia,
gráfica, têxteis, papel e papelão, vidraria estão entre os segmentos
industriais em que os trabalhadores estão mais sujeitos à PAIR. Mas a
exposição a ruído intenso também afeta outros profissionais como “
dentistas, militares, operários da construção civil e obras públicas,
aeroporturários, coletores de lixo e por aí afora ” , assinala Everardo
Andrade da Costa, professor da disciplina de Otorrinolaringologia,
Cabeça e Pescoço da Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“ Todos os profissionais que
trabalham expostos a ruído intenso, a vibrações e a produtos químicos
ototóxicos estão sujeitos a desenvolverem perdas auditivas ” ,
complementa a fonoaudióloga Giglio. Desse modo, metalúrgicos, gráficos,
motoristas, agricultores, músicos, militares, policiais, bombeiros,
professores de educação física (principalmente em academias), dentre
outros, somam-se à lista de profissionais sujeitos à perda auditiva.
Outras dimensões também são
afetadas. Do ponto de vista psicossocial, a exposição à pressão sonora
afeta o comportamento da pessoa na família, no trabalho e na sociedade.
No campo das relações trabalhistas, os afastamentos ou as aposentadorias
por perda auditiva de origem ocupacional geram ônus para a Previdência
Social. “ Esta, por sua vez, tem o maior interesse em reduzir essa carga
e propiciar ao trabalhador afetado o mais breve retorno às atividades ”
, analisa Costa.
Uma doença silenciosa
A PAIR, muitas vezes, demora a
ser diagnosticada, especialmente porque em muitas empresas e segmentos
profissionais não existe a prática de se realizar avaliações auditivas
de trabalhadores. “ Um trabalhador pode passar toda a vida laboral sem
perceber o problema ” , afirma o professor Costa.
Por isso, o diagnóstico nem
sempre é feito, embora os efeitos da PAIR se manifestem de várias
maneiras. Em pesquisa realizada por Costa, ainda não publicada, com
cerca de 180 portadores de PAIR, apenas 18% acusaram perda auditiva. Em
compensação, 50% deles tinham dificuldade para perceber a fala
(conversas em ambientes com barulho de fundo) e 45% acusavam zumbidos
nos ouvidos. “ Mas, em geral, a PAIR é silenciosa ” , reitera.
Em outro estudo, também
realizado por Costa em parceria com Rosalina Ogido e Helymar da Costa
Machado, mostrou que de 190 trabalhadores, atendidos em um centro de
referência de saúde ocupacional, entre 1997 e 2003, 175 apresentavam
PAIR. Esses trabalhadores foram encaminhados para atendimento por
sindicatos ou por demanda espontânea e foram submetidos à avaliação
audiométrica.
A média de exposição a ruído,
entre os integrantes da amostra, foi de 15,7 anos. O ramo de atividade
mais afetado foi a indústria metalúrgica (74% do total). O estudo
constatou associação entre a perda auditiva com tempo de exposição ao
ruído e a idade. Com base nos resultados, os pesquisadores enfatizaram “
a necessidade permanente da adoção de medidas preventivas em relação à
exposição ao ruído ” .
Regulamentação e políticas
Apesar de danosa, a exposição
excessiva ao ruído só passou a ser normatizada a partir dos anos 1990.
Naquela época, comissões com representantes do governo, dos empregados e
dos empregadores promoveram mudanças na legislação trabalhista e
previdenciária, o que deu origem a um conjunto de normas técnicas e
legais relativas à PAIR. Desde então, o cenário vem melhorando e ganhos
importantes já foram conquistados, na opinião do professor Costa, da
Unicamp. “ Mas sempre há o que melhorar ” .
Para a fonoaudióloga Giglio,
atualmente, em grande parte das empresas com ruído são realizadas
avaliações nos postos de trabalho, são disponibilizados equipamentos de
segurança aos trabalhadores como os protetores auriculares e exames
audiométricos são realizados com frequência.
No entanto, ainda é necessário
avançar nos Programas de Preservação Auditiva (PPAs), que não estão
efetivamente implantados na maioria das empresas. “ Ou seja, a prevenção
não é eficiente ” , afirma. “ As ações que vêm sendo realizadas são
importantes, mas há outras tão relevantes quanto essas, tais como
investimentos para reduzir o ruído nas máquinas e nos equipamentos,
gerenciamento auditivo e estudos para identificar grupos de risco ” ,
complementa Giglio.
(Fonte: Com Ciência - 19/09/2013)
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